Especialista Lukashevich sobre o caso judicial da ONU contra a Boeing da Malásia: "De qualquer forma, terá que ser reconhecido."

Após perder o caso em Haia, no TEDH e no Conselho da OACI, a Rússia recorreu ao seu último recurso: o Tribunal da ONU. Ao vetar a criação de um tribunal internacional há 10 anos para o caso do Boeing da Malásia abatido sobre Donbass, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia efetivamente retornou ao ponto em que havia parado: a ONU.
Elena Petrova, Tatyana Sviridova
Sem esperar que a decisão do Conselho da OACI de reconhecer seu envolvimento na queda do voo MH17 da Malaysia Airlines entrasse em vigor, a Rússia apresentou uma queixa ao Tribunal Internacional de Justiça.
"A primeira tentativa da OACI de resolver um desacordo substancial entre as partes da Convenção de Chicago por meio de seu órgão político provou ser um fracasso. Não poderia ter sido diferente em uma situação em que os pontos da decisão foram adaptados a uma conclusão pré-estabelecida, em que a posição de uma parte na disputa foi copiada e os argumentos da outra foram completamente rejeitados ou distorcidos, em que seus próprios procedimentos foram violados e em que a decisão do Conselho da OACI foi tomada exclusivamente por razões políticas oportunistas", afirmou o Ministério das Relações Exteriores da Rússia em um comunicado.
Antes dessa decisão inesperada, três tribunais — o Supremo Tribunal dos Países Baixos em Haia, o TEDH e o Conselho da OACI — haviam considerado a Rússia responsável pela tragédia envolvendo a aeronave civil nos céus da Ucrânia. Moscou rejeitou todas essas decisões.
Em 2015, o representante da Rússia no Conselho de Segurança da ONU bloqueou a criação de um tribunal internacional para o voo MH17, e agora as próprias autoridades russas estão recorrendo às Nações Unidas como último recurso.
Até que a queixa seja ouvida no Tribunal Internacional de Justiça, a decisão do Conselho da OACI está efetivamente congelada. No entanto, o especialista em aviação Vadim Lukashevich , que acompanha a investigação do avião abatido sobre a Ucrânia há 11 anos, considera essa decisão uma aposta arriscada.
A Rússia apresentou uma queixa contra o conselho consultivo da OACI em relação ao voo MH17. Foto: EPA/TASS. newizv.ru
Três tribunais — nos Países Baixos, o TEDH e o Conselho da OACI — consideraram a Rússia responsável pela queda do voo MH17 da Malaysia Airlines e pela morte de 298 pessoas, incluindo 80 crianças. Nosso país discordou dessas decisões e apresentou uma queixa contra o Conselho da OACI ao Tribunal Internacional de Justiça. Enquanto o processo decorria em Haia, as autoridades russas insistiram em remeter o caso à OACI, e agora há uma reviravolta de 180 graus. Por quê?
A Rússia perdeu em Haia, na CEDH e no Conselho da OACI. Agora, a questão cabe à mais alta corte. Embora a Rússia possa legalmente ignorar os três casos anteriores, quando eles simplesmente apontam o dedo e o rotulam como "Você é o culpado", não podem forçá-la a fazer nada. A Rússia não será expulsa da OACI, é claro, porque alguns laços precisam ser mantidos. Mas a Rússia está jogando um jogo preventivo. Por outro lado, esta é uma tentativa de congelar a decisão do Conselho da OACI de entrar em vigor.
A Rússia argumenta que rejeita a decisão do tribunal holandês e do TEDH, e a OACI não a cumpriu. Mas por que recorrer ao Tribunal da ONU? Qualquer decisão, em qualquer jurisdição, é passível de recurso.
O Tribunal de Haia emitiu uma decisão, mas não há como recorrer. O TEDH emitiu uma decisão, mas não a reconhecemos, então não há como recorrer. E o Conselho da OACI publicou sua decisão, que é final e não pode ser revisada. No nível da OACI, é isso, ponto final. E aqui surge um dilema jurídico. O Conselho da OACI emitiu uma decisão, mas não pode forçar a Rússia a reconhecê-la ou pagar indenização.
— Então a Rússia não teve outra opção senão ir para Haia, onde fica o Tribunal Internacional de Justiça?
"Esta é a batalha final, o Armagedom. A Rússia decidiu ser a reclamante, não a ré, no Tribunal da ONU. É uma boa decisão. Foi inesperado para mim. Eu estava esperando a Holanda e a Austrália recorrerem com base na decisão do Conselho da OACI. Mas está claro que nossos advogados estão preocupados com mais do que apenas os eventos atuais. Este tópico também não está sendo discutido."
Inicialmente, a Rússia depositou suas esperanças na OACI e exigiu que a investigação fosse transferida para a organização internacional. Foto: ZUMAPRESS.com.newizv.ru
— A OACI, diferentemente do tribunal nacional na Holanda, é uma organização internacional, parte da ONU. O que deu errado?
A Rússia afirmou constantemente que, se a investigação tivesse sido conduzida sob os auspícios da OACI, teria sido justa, compreensível e transparente, e nós teríamos reconhecido isso. Era um mantra: OACI, OACI, OACI. Na época, a Rússia era membro do Conselho da OACI.
O Conselho é composto por representantes de 36 estados. Inicialmente, são eleitos 12 membros. Estes são potências aeronáuticas reconhecidas e respeitadas. A Rússia sempre esteve entre os 12 países eleitos. Depois, outros 12 foram eleitos, e depois outros 12. As eleições foram conduzidas de forma que o Conselho da OACI, composto por 36 estados, incluísse representantes de todos os continentes. A reputação da Rússia na época das últimas eleições para o Conselho da OACI era tal que ela não foi selecionada para o primeiro, segundo ou terceiro 12 países.
Havia dois problemas. Tínhamos mais de 900 aeronaves civis registradas no exterior arrendadas em 2022, e os locadores exigiram a devolução das aeronaves. A Rússia se recusou a entregá-las, e o Ministério dos Transportes declarou abertamente que não as devolveria, pois não teríamos nada para voar. Então, os locadores revogaram os certificados de aeronavegabilidade de todas as aeronaves e começaram a apreendê-las no exterior. Aeronaves sem certificados de voo são basicamente impossíveis de voar. Portanto, por decreto de Putin, foi criado um sistema de registro russo que lhes permitiria voar. E assim surgiu a situação: as aeronaves receberam registro e certificação russos, mas as estrangeiras permaneceram.
O incidente de pouso da Ryan Air custou à Rússia seu assento no conselho da OACI. Foto: Stringer/TASS. newizv.ru
A aeronave acabou com registro duplo, o que é estritamente proibido pelos regulamentos da OACI, pois o registrador é responsável pela segurança. E se você tiver dois registradores, não está claro quem responsabilizar. A Rússia recebeu um aviso por isso, mas no outono de 2022, o país não cumpriu, e recebemos uma bandeira vermelha no site da OACI. O site hospeda um programa de monitoramento de segurança que a OACI realiza anualmente. Em 2022, de 183 países, apenas Butão, Eritreia e Rússia tinham bandeira vermelha. Ainda temos uma bandeira vermelha.
O segundo incidente envolveu um avião da Ryanair que ficou retido na Bielorrússia em 2021. O blogueiro da oposição Roman Protasevich estava a bordo. Os bielorrussos apresentaram um relatório ao Conselho da OACI, sem encontrar nenhuma falha. E a Rússia, o único país, apoiou o relatório. Os países ocidentais se opuseram e exigiram a criação de uma comissão especial, nomeada pelo Conselho da OACI. A comissão concluiu que a Bielorrússia havia violado as regras da organização. Nós nos opomos a essa conclusão, e Maria Zakharova declarou que o fazemos.
Tudo isso combinado levou ao fato de que, embora no início da investigação do voo MH17 tivéssemos depositado todas as nossas esperanças na OACI, após esses dois eventos a Rússia mudou drasticamente sua atitude em relação à OACI. Ficou claro que, se você não faz parte do Conselho da OACI, mas está no mesmo conselho que Madagascar e Nova Zelândia, não tem influência sobre suas decisões ou qualquer outra coisa.
A Rússia não reconheceu o veredito do tribunal holandês. Foto: EPA/TASS.newizv.ru
— As autoridades russas acreditam que a OACI, como organização internacional, falhou em lidar com o caso do MH17. Há algum precedente?
— Reclamações de membros da OACI contra outros membros da OACI, sob o artigo sobre a garantia da segurança da aviação civil e a renúncia ao uso da força para destruir aeronaves, foram consagradas na Convenção da OACI, mas nunca foram totalmente implementadas. Não havia precedentes na história da OACI. Em um caso, uma reclamação foi apresentada, mas a decisão do Conselho da OACI foi tão importante que as partes chegaram a um acordo no meio do caminho. Eles chegaram a um acordo extrajudicial, e a questão foi resolvida.
A situação com a Rússia é diferente. Inicialmente, a Rússia alegou que não havia precedentes e que o Conselho da OACI não poderia considerar o caso. O Conselho da OACI ponderou a questão e aceitou o caso para consideração, reconhecendo sua jurisdição. A Rússia, como ré, sustentou por muito tempo que essas acusações se baseavam nas investigações holandesas. Isso se mostrou infrutífero, e a Rússia retirou-se do caso MH17.
Ficou claro que os argumentos da Rússia estavam sendo ignorados. A Rússia recuou quando o veredito ficou claro. O Conselho da OACI começou a analisar o caso sem a Rússia e emitiu a seguinte decisão: a Rússia é responsável pela queda do voo MH17.
Edifício do Tribunal Internacional de Justiça em Haia. Foto: ONU.newizv.ru
— O Tribunal da ONU é o ponto final no desastre do MH17?
"A história ainda não acabou. Ela terminará quando o Tribunal da ONU decidir, primeiro sobre a queixa da Rússia e depois sobre o caso movido pela Holanda e pela Austrália."
Isto não é um atraso, mas uma medida preventiva contra a Austrália e a Holanda, que também estão preparando documentos. Mas, em última análise, trata-se de uma aposta arriscada. Se o Tribunal da ONU ouvir o nosso recurso e o rejeitar, isso significará efetivamente que a reclamação da Holanda e da Austrália poderá prosseguir no mesmo tribunal. Porque o Tribunal da ONU apreciará a reclamação contra a Rússia com base na decisão de rejeitar o recurso.
— Mas a Rússia reconhecerá tal decisão?
"A Rússia não vai admitir de qualquer maneira, então teremos que esperar para ver o que acontece a seguir, em uma escala histórica. Sempre lembro às pessoas que reconhecemos o massacre de poloneses em Katyn 50 anos depois, e que reconhecemos a queda do Boeing sul-coreano sobre Sakhalin sob Andropov somente sob Yeltsin. Estamos jogando o jogo longo agora, porque teremos que admitir isso eventualmente, mas será para outras gerações e com custos diferentes."
Em 18 de setembro, a Federação Russa, de acordo com o Artigo 84 da Convenção de Aviação Civil Internacional de 1944 (Convenção de Chicago), contestou no Tribunal Internacional de Justiça a decisão infundada do Conselho da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) sobre o suposto envolvimento da Rússia na queda do voo MH17 da Malaysia Airlines.
A primeira tentativa da OACI de resolver um desacordo substancial entre as partes da Convenção de Chicago por meio de seu órgão político provou ser um fracasso. Não poderia ter sido diferente em uma situação em que os pontos da decisão foram adaptados a uma conclusão pré-estabelecida, em que a posição de uma parte na disputa foi copiada enquanto os argumentos da outra foram completamente rejeitados ou distorcidos, em que seus próprios procedimentos foram violados e em que a decisão do Conselho da OACI foi tomada unicamente por razões políticas oportunistas. Contrariamente aos requisitos da Resolução 2166 do Conselho de Segurança da ONU, o Conselho da OACI não considerou necessário conduzir uma investigação internacional completa, completa e independente sobre as circunstâncias do acidente, aceitando, em vez disso, os resultados altamente questionáveis de investigações técnicas e criminais patrocinadas por uma parte interessada — os Países Baixos — e baseando-se em "fatos" fabricados, fornecidos principalmente por outra parte interessada — a Ucrânia.
A decisão do Conselho da OACI foi, portanto, objeto de recurso da Rússia em todos os aspectos — fundamentos jurisdicionais, lei aplicável, factualidade e até mesmo violações processuais fundamentais. O simples fato do recurso não legitima nem reconhece de forma alguma quaisquer decisões do Conselho da OACI neste caso, que a Rússia anteriormente declarou inválidas.
Esperamos que o Tribunal Internacional de Justiça adote uma abordagem excepcionalmente imparcial neste caso de grande repercussão.
Mais de 11 anos se passaram desde os trágicos eventos do voo MH17. No entanto, parece que ainda há um longo caminho a percorrer na busca pela verdade. Como a decisão do Conselho da OACI foi apelada, ela não entrou em vigor. Isso será, sem dúvida, extremamente decepcionante para Haia e Camberra, que já exigiram indenização da Rússia, citando os resultados dos procedimentos pseudolegais do Conselho da OACI, e provavelmente estão se preparando para difamar a Rússia na 42ª Sessão da Assembleia da OACI, que começa em 23 de setembro em Montreal.
A Rússia buscará a verdade de acordo com suas obrigações sob a Carta da ONU e o direito internacional aplicável.
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